Querido Professor Antônio José Vieira,
meu caro tio Tonico,
 

"E como o tempo não tem, nem pode ter consistência alguma, e todas as coisas desde o seu princípio nasceram juntas com o tempo, por isso nem ele, nem elas podem parar um momento, mas com perpétuo moto, e revolução insuperável passar, e ir passando sempre"
(Sermão da Primeira Dominga do Advento. Padre Antônio Vieira)


É com grande saudade que lhe escrevo. A saudade chega com o sentimento de frustração: perdemos a noção do tempo. Deixamos de  priorizar o que realmente importa: amar ao próximo, cultivar amizades, viver o dia de hoje como se fosse o último dia de nossas vidas...

Onde estávamos todos nós? O que o tempo faz conosco? Todos os anos temos a sensação de que o tempo encolheu: dizemos que "o ano está voando", que "a semana passou tão depressa..." e nos queixamos de que não temos tempo para nada. Com um olho na agenda e outro no relógio, vamos deixando o tempo controlar as nossas vidas. O que está havendo com nosso tempo? Por que não dedicamos um pouco do nosso tempo aos amigos, aos vizinhos, às pessoas sábias e experientes que tanto têm a nos ensinar?

Sábios como o senhor, meu querido professor Antônio José Vieira, que soube aproveitar o tempo, viveu o tempo que Deus lhe deu e foi embora no momento que Deus lhe chamou. Foi-se sem se despedir de nós, foi-se na hora que lhe estava reservada e deixou, em silêncio, este mundo que nos endurece.

Quando o senhor perdeu o direito à palavra? Quando ninguém bateu à porta? Quando o telefone não tocou? Quando as cartas não chegaram mais? Quando passou a ser bom escutar o som da campainha e responder "não" ao distribuidor de gás? Quando passou a ser bom atender o telefone, ainda que fosse engano? Quando passou a ser bom receber contas a pagar, propagandas e panfletos colocados na caixa de correio? Quando passou a ser bom receber cartas "ao morador"? A solidão chegou  e fixou sua residência em um coração que ensinou tantos a viver e aproveitar o tempo...

Todos nós, seus alunos, tivemos o privilégio de participar de suas exposições orais que, à semelhança da oratória do Padre Antônio Vieira, conduziam-nos, com entusiasmo, ao conhecimento em profundidade, com a clareza necessária para a reflexão. Tal como a vida de Vieira, a sua não terminou em tragédia, nem tão pouco gerou gestos comovedores. Tenho certeza de que tudo transcorreu em meio a negociações com o Senhor Deus Todo Poderoso  sustentadas por sua primorosa defesa diante Dele de que era tempo de partir.

Espero revê-lo qualquer dia desses.

Com carinho,
Regina Lúcia Péret Dell`Isola

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